O
AMOTINAR DOS VERDADEIROS SÍMIOS
Rogério Rodrigues
As grandes altitudes têm efeitos inesperados
no homem. Os efeitos biológicos comuns todos já conhecem, e até mesmo as
alterações na dinâmica dos corpos sujeitos ao ar rarefeito das alturas. Mas
ontem, quero crer que foi um efeito da altitude de mais de 3000 metros, uma
convulsão estranha e coletiva, um surto tomou conta de uma torcida de
futebol.Em determinados momentos de um jogo entre dois times latino-americanos
- povos que já penaram ao longo da história, açoitados pelos preconceitos de
toda ordem - a torcida peruana no Estádio Huancayo emitia sons imitando
macacos. A princípio, lembrei-me do filme baseado na obra de Pierre Boulle, O Planeta dos Macacos, uma ficção que
mostra uma inversão de papéis na escala evolutiva: Um grupo de prisioneiros
humanos sob o jugo de uma civilização de macacos, que os considerava
primitivos, pela destruição que, no passado, causaram ao planeta. Afora as
nuances conceituais sobre a burrice do homem, as cenas mostravam macacos
preconceituosos em atitudes debochadas e zombeteiras em relação aos
prisioneiros humanos, como se fossem mais evoluídos do que eles. Voltando aos
Andes,a cena completa era a seguinte: toda vez que o volante Tinga tomava posse
da bola, a torcida da casa começava a imitar ruídos de macacos, numa lamentável
manifestação de preconceito racial, como se eles não pertencessem a uma minoria
cultural segregada cruelmente nos países mais desenvolvidos: os descendentes de
indígenas pré-colombianos. Fazendo um recorte e colagem das duas situações, o
filme e o estádio, ver-se-ia um coliseu, onde a plateia de macacos, convicta de
seu alto grau de evolução, insulta os personagens em jogo na arena e estes,
realmente mais evoluídos, apenas
lamentam a inversão de papéis.
Entretanto, lamentar é muito pouco
diante de qualquer discriminação; a gravidade desse tipo de posicionamento
passa por cima de toda a compreensão que a humanidade já alcançou depois de
muita barbárie. Trata-se de algo muito preocupante tanto no foco humanista,
quanto para a segurança da humanidade. Ninguém pode fechar os olhos para essas
questões, deve-se punir, inafiançavelmente, qualquer pessoa ou grupo que nesses
moldes se manifeste. Todas as etnias têm o mesmo gérmen, isto é que dá
identidade à raça humana.
Obviamente, aquela não foi uma
manifestação representativa do povo peruano, talvez nem seja de uma facção
organizada. Dá um frio na espinha pensar nisto. É mais cômodo justificar o fato
com uma bobagem qualquer: Será a altitude ou a proximidade com a Cordilheira
dos Andes?
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