segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A INCLUSÃO




                                                      A INCLUSÃO

                                                                  Rogério Rodrigues


         Peregrinando, durante mais da metade da minha vida, pelos caminhos da educação formal, conheci não somente pessoas atípicas, mas reações e dramas surpreendentes. A escola no Brasil, seja de que sistema for, seguindo algum critério, sempre foi "inclusiva" ou,

como nas últimas décadas do século XX, concessiva, de acordo com seus interesses. Em muitos casos, na rede particular, o critério para se aceitar a matrícula de algum aluno fora do perfil adotado pela escola era simplesmente o peso de quem fazia a intermediação entre o aluno e a escola. Um determinado colégio de minha cidade, altamente classista, jamais aceitava  algum aluno filho de operário; entretanto, em determinada situação, um desses alunos foi aceito, naquela época,  pela escola, a pedido do prefeito, pois a mãe do jovem era líder de uma comunidade onde havia mais de trezentos eleitores. Hoje, talvez pela necessidade de captação  - problema enfrentado pela grande maioria das escolas particulares- aceitam-se, inclusive, alunos para os quais a escola não está devidamente preparada para ajudar. Em determinada situação, tive um aluno cego muito determinado. Seu interesse pelos números estava anos-luz à frente do de seus colegas de turma. Esse aluno foi, para mim, um desafio para o qual eu tive que me virar em pesquisas e improvisações, que se mostraram eficientes para a sua compreensão. A partir de um certo ponto, esse jovem disparou na frente da turma e até passou a ensinar para alguns colegas. Para isso, tive que fabricar modelos palpáveis de sistemas cartesianos e alguns artefatos algorítmicos.

        Na verdade, os dois tipos básicos de inclusão, que são o aluno com necessidades especiais e o aluno da base na pirâmide social, têm efeitos diferenciados. Para o primeiro, a inclusão tem se mostrado ideal; com o tempo, eles começam a interagir pelo menos com algum professor, abrindo um pouco a janela por onde a ajuda pode entrar. Às vezes, a interação não acontece, mas o comportamento se altera, tirando o aluno daquele marasmo improdutivo. As escolas estão cheias de autistas, que começam a abrir seus mundos, como se tivessem pedindo ajuda.Em alguns casos notáveis, a escola conseguiu avanços mais significativos que os tratamentos médicos em clínicas. Há um humanismo determinante nos procedimentos com os portadores de necessidades especiais, desde Pinel no século XIX, que sabiamente concluiu sobre a necessidade da interação familiar e social dos necessitados especiais.

      Para o aluno das classes sociais menos privilegiadas, a inclusão social sempre acontece, mas pode trazer outros problemas. Um deles é a cumplicidade com os colegas de melhores situações financeiras. Estes têm hábitos culturais e gozam de prazeres fora do poder aquisitivo do incluído. Na maioria dos casos, o menos privilegiado começa a cobrar de seus mantenedores - comumente, os pais-  alguma coisa que eles não podem comprar. Muitos, felizmente, conseguem entender e fazem da escola um instrumento de poder, mostrando um rendimento superior ao dos colegas mais abastados, mas outros até são seduzidos pelo mundo do crime, onde o dinheiro vem nas mãos da morte, mas aparece rápido e em boa quantidade.

    Um outro tipo de hermetismo discriminatório, fruto da inversão de valores gerada pelo mercado capitalista, é a seleção, a partir de uma determinada série, dos alunos com excelentes perspectivas de rendimento para o futuro. Então, no final do ensino básico, os alunos de baixo rendimento são, educadamente, convidados a procurar outra escola, abrindo vagas para os melhores do processo seletivo externo, que irão se juntar ao grupo interno sobrevivente à guilhotina. O mercado, e até o MEC - não sei se deliberadamente- fomentam esse tipo de discriminação: O marketing das escolas usam o rank do ENEM, publicado pelo INEP como propaganda para tomar impulso no mercado da rede particular. Muitos pais, ao escolherem escolas para os filhos, usam como critério exclusivo o rank citado, um equívoco sem sombra de dúvidas.


         O fato é que a inclusão não é um processo cuja resposta é sempre positiva; ninguém se insere ou é inserido num contexto social como se fosse uma peça de encaixe perfeito numa lacuna de um quebra-cabeças. O ser humano, a despeito de um ser social, tem suas particularidades; algumas até constituem a sua identidade; ele pode ser flexível, resiliente ou mostrar uma rigidez imutável no convívio. O s preconceitos no Brasil, expressos de forma

extremamente velada, têm uma força e uma determinação nos contextos, mesmo que sejam manifestados inconscientemente. Portanto, a inclusão não termina com a matrícula e inserção  física do estudante, mas deve continuar fazendo parte do acompanhamento atento da escola, corrigindo os desvios percebidos, fazendo as intervenções necessárias. Caso contrário, corre-se o risco de se estar atirando o  estudante aos leões; ele pode fazer qualquer coisa para sobreviver, qualquer coisa.

 


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