A INCLUSÃO
Rogério Rodrigues
Peregrinando, durante mais da metade
da minha vida, pelos caminhos da educação formal, conheci não somente pessoas
atípicas, mas reações e dramas surpreendentes. A escola no Brasil, seja de que
sistema for, seguindo algum critério, sempre foi "inclusiva" ou,
como
nas últimas décadas do século XX, concessiva, de acordo com seus interesses. Em
muitos casos, na rede particular, o critério para se aceitar a matrícula de
algum aluno fora do perfil adotado pela escola era simplesmente o peso de quem
fazia a intermediação entre o aluno e a escola. Um determinado colégio de minha
cidade, altamente classista, jamais aceitava algum aluno filho de operário; entretanto, em
determinada situação, um desses alunos foi aceito, naquela época, pela escola, a pedido do prefeito, pois a mãe
do jovem era líder de uma comunidade onde havia mais de trezentos eleitores. Hoje,
talvez pela necessidade de captação -
problema enfrentado pela grande maioria das escolas particulares- aceitam-se,
inclusive, alunos para os quais a escola não está devidamente preparada para
ajudar. Em determinada situação, tive um aluno cego muito determinado. Seu
interesse pelos números estava anos-luz à frente do de seus colegas de turma.
Esse aluno foi, para mim, um desafio para o qual eu tive que me virar em
pesquisas e improvisações, que se mostraram eficientes para a sua compreensão.
A partir de um certo ponto, esse jovem disparou na frente da turma e até passou
a ensinar para alguns colegas. Para isso, tive que fabricar modelos palpáveis
de sistemas cartesianos e alguns artefatos algorítmicos.
Na verdade, os dois tipos básicos de
inclusão, que são o aluno com necessidades especiais e o aluno da base na
pirâmide social, têm efeitos diferenciados. Para o primeiro, a inclusão tem se
mostrado ideal; com o tempo, eles começam a interagir pelo menos com algum
professor, abrindo um pouco a janela por onde a ajuda pode entrar. Às vezes, a
interação não acontece, mas o comportamento se altera, tirando o aluno daquele
marasmo improdutivo. As escolas estão cheias de autistas, que começam a abrir
seus mundos, como se tivessem pedindo ajuda.Em alguns casos notáveis, a escola
conseguiu avanços mais significativos que os tratamentos médicos em clínicas.
Há um humanismo determinante nos procedimentos com os portadores de necessidades
especiais, desde Pinel no século XIX, que sabiamente concluiu sobre a
necessidade da interação familiar e social dos necessitados especiais.
Para o aluno das classes sociais menos
privilegiadas, a inclusão social sempre acontece, mas pode trazer outros
problemas. Um deles é a cumplicidade com os colegas de melhores situações
financeiras. Estes têm hábitos culturais e gozam de prazeres fora do poder
aquisitivo do incluído. Na maioria dos casos, o menos privilegiado começa a
cobrar de seus mantenedores - comumente, os pais- alguma coisa que eles não podem comprar.
Muitos, felizmente, conseguem entender e fazem da escola um instrumento de
poder, mostrando um rendimento superior ao dos colegas mais abastados, mas
outros até são seduzidos pelo mundo do crime, onde o dinheiro vem nas mãos da
morte, mas aparece rápido e em boa quantidade.
Um outro tipo de hermetismo
discriminatório, fruto da inversão de valores gerada pelo mercado capitalista,
é a seleção, a partir de uma determinada série, dos alunos com excelentes
perspectivas de rendimento para o futuro. Então, no final do ensino básico, os
alunos de baixo rendimento são, educadamente, convidados a procurar outra
escola, abrindo vagas para os melhores do processo seletivo externo, que irão se
juntar ao grupo interno sobrevivente à guilhotina. O mercado, e até o MEC - não
sei se deliberadamente- fomentam esse tipo de discriminação: O marketing das
escolas usam o rank do ENEM, publicado pelo INEP como propaganda para tomar
impulso no mercado da rede particular. Muitos pais, ao escolherem escolas para
os filhos, usam como critério exclusivo o rank citado, um equívoco sem sombra
de dúvidas.
O fato é que a inclusão não é um
processo cuja resposta é sempre positiva; ninguém se insere ou é inserido num
contexto social como se fosse uma peça de encaixe perfeito numa lacuna de um
quebra-cabeças. O ser humano, a despeito de um ser social, tem suas
particularidades; algumas até constituem a sua identidade; ele pode ser
flexível, resiliente ou
mostrar uma rigidez imutável no convívio. O s preconceitos no Brasil, expressos
de forma
extremamente
velada, têm uma força e uma determinação nos contextos, mesmo que sejam
manifestados inconscientemente. Portanto, a inclusão não termina com a
matrícula e inserção física do
estudante, mas deve continuar fazendo parte do acompanhamento atento da escola,
corrigindo os desvios percebidos, fazendo as intervenções necessárias. Caso
contrário, corre-se o risco de se estar atirando o estudante aos leões; ele pode fazer qualquer
coisa para sobreviver, qualquer coisa.
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