OS GUIAS
Rogério Rodrigues
Fiz questão de conferir no Aurélio: Guia, pessoa
que conduz, que dirige, que mostra o caminho. Então há guias de tipos variados:
o guia espiritual nas conduções de fé, o vaqueiro que vai à frente da boiada é
o guia, o guia turístico, dentre outros.
Todo
guia conduz algo ou alguém por um caminho, mas cada um dos tipos tem suas
peculiaridades, de acordo com o caminho. O guia espiritual, por exemplo, deve
conhecer a vida de seu discípulo, para facilitar suas intervenções. Então, o
guia turístico também deve ter seus atributos, de modo a tornar o seu trabalho
satisfatoriamente eficiente.
Além de mostrar geograficamente os
pontos de interesse de um grupo de turistas, como um GPS, o guia turístico deve
saber discorrer minimamente sobre os objetos mostrados, contando um pouco de
sua história, fatos curiosos ligados ao objeto e, na medida do possível, todos
os porquês que surgirem na sua interação com o grupo. Portanto, a comunicação
necessária com o grupo demanda saber noções de alguma língua estrangeira, das
mais faladas O conhecimento geográfico é um atributo inerente à natureza da
atividade, é como a vara do pescador; portanto, não há o que se questionar. A
comunicação acaba se estabelecendo com a interação pessoal, mesmo se o guia não
tem formação alguma em língua estrangeira. O supostamente ideal é que o guia
tenha formação universitária em turismo, mas há guias tão veteranos, que sua
prática consolidou a competência. Por outro lado, há guias com formação
universitária que não têm o menor jogo de cintura no exercício de sua atividade.
Há ainda uma gama de especializações
para os guias turísticos. Há guias para
excursões
no deserto, há guias para passeios em animais, há guias para passeios de bug,
guias para mergulhos e por aí vai. Em todas essas especialidades, o guia deve,
sobretudo, proteger, o máximo possível, a integridade física do turista,
garantindo que ele contemple os objetivos a que se propõe a excursão. Dentro de
todas essas competências até aqui elencadas, há deslizes ou sucessos memoráveis
na vida dos guias e na lembrança dos turistas.
Há
poucos dias, em visita a João Pessoa, o evento que fechava a minha excursão era
um pôr do sol com fundo musical: Um saxofonista, chegando de barco, executando
o Bolero de Ravel, enquanto o sol,
magnificamente, se punha em mergulho no mar. O nosso guia, um rapaz falante,
prático em tudo ( guia prático e fotógrafo prático), sentiu-se na obrigação de
explicar aquele momento e saiu com esta:
- Esse instrumentista, que não é o oficial (O oficial é o Jurandir, que estava de luto) toca diferente do Jurandir, mas é autorizado a tocar pelo próprio Jurandir!
- Esse instrumentista, que não é o oficial (O oficial é o Jurandir, que estava de luto) toca diferente do Jurandir, mas é autorizado a tocar pelo próprio Jurandir!
-
Como assim, qualquer um pode tocar o Bolero
de Ravel! Exclamei.
-
Qualquer um não, só o Jurandir e quem ele autorizar, replicou o guia, com
sotaque nordestino. E continuou:
-
O próprio Maurice Ravel deu ao Jurandir o direito exclusivo de execução da
música, antes de morrer; ele até chorou no túmulo de Ravel! Apareceu no Programa do Jô.
-
Me desculpe, mas te passaram uma informação errada, argumentei.
-
Não, não, tenho até o jornal com essa notícia; guardei até hoje, contra
argumentou.
-
O problema é que Ravel morreu há muito tempo, não conviveu com o Jurandir!
Tentei
explicar ao guia. Como eu não me lembrava da data precisa ( depois confirmei
que Ravel morreu em 1937), falei que o Jurandir teria que ter mais de 100 anos.
O rapaz ficou inconformado com tudo que eu dizia, mas silenciou-se sobre o
assunto daí para frente.
Uma coisa interessante e comum aos guias
de Natal é o ufanismo em relação aos atributos da terra; tudo que apresentam é
recorde: "Moço, essa é maior duna do Brasil, a segunda do mundo",
"Num sabe, a primeira mulher a votar no Brasil é de Natal",
"Natal é a cidade mais verde da América"(Os guias gaúchos disseram o
mesmo a respeito de Porto Alegre). Um dos guias, de forma bem humorada, fez de
suas explicações ufanistas, um trampolim de autoestima: "Esta praia
chama-se Praia do amor, devido a um
romance que eu tive com uma atriz global, que filmava aqui",
"
A novela Flor do Caribe, filmada
aqui, na Praia de Pipa, tinha um
personagem chamado Samuel, em
homenagem a mim, que os guiei aqui".
Em geral, as explicações dadas pelos guias
são superficiais e os relatos históricos feitos por eles são factuais. Quando
se trata de objetos de arte, eles têm, em geral, um texto decorado e contam com
a ignorância dos turistas, pedindo a Deus que nada lhes seja questionado. Por
exemplo, em toda igreja barroca que visitei em Minas, perguntei ao guia sobre
aquelas bruxinhas que aparecem nos entalhes. Até hoje, nenhum deles me explicou
isto., alguns nem haviam notado.
Na verdade, o mercado forja o
profissional; se a galinha dos ovos de
ouro de uma cidade é o turismo, sua mão de obra faz tudo para se enquadrar
no turismo. Como exemplo, Natal tem no turismo a sua principal fonte de renda;
90% de seu produto interno vem do turismo. A mão de obra massiva trabalha
direta ou indiretamente com o turismo. Por isso, quem não tem qualificação
alguma, com a prática, vira guia turístico em pouco tempo. Há um caminho, uma
carreira: Começa-se como vendedor ambulante de quitutes típicos ou suvenires,
junta-se dinheiro, abre-se um pequeno negócio ou compra-se uma van. No meio do
caminho ou concomitantemente com outra atividade, trabalha-se de guia. Há
histórias de guias bem sucedidos que ingressam, com sucesso, na hotelaria.
Num aspecto todos os guias concordam, é
segura a unanimidade: todos confessam
que gostam do que fazem e que se divertem muito com o trabalho. Por isso,
trabalham sete dias por semana e, se necessário, mais de 15 horas por dia. Seja
aonde for, a interação do guia com o turista é tão notória, que tem evidentes
traços afetivos.
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