quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

OS GUIAS



                                                          OS GUIAS

                                                                               Rogério Rodrigues

         Fiz  questão de conferir no Aurélio: Guia, pessoa que conduz, que dirige, que mostra o caminho. Então há guias de tipos variados: o guia espiritual nas conduções de fé, o vaqueiro que vai à frente da boiada é o guia, o guia turístico, dentre outros.

Todo guia conduz algo ou alguém por um caminho, mas cada um dos tipos tem suas peculiaridades, de acordo com o caminho. O guia espiritual, por exemplo, deve conhecer a vida de seu discípulo, para facilitar suas intervenções. Então, o guia turístico também deve ter seus atributos, de modo a tornar o seu trabalho satisfatoriamente eficiente.

        Além de mostrar geograficamente os pontos de interesse de um grupo de turistas, como um GPS, o guia turístico deve saber discorrer minimamente sobre os objetos mostrados, contando um pouco de sua história, fatos curiosos ligados ao objeto e, na medida do possível, todos os porquês que surgirem na sua interação com o grupo. Portanto, a comunicação necessária com o grupo demanda saber noções de alguma língua estrangeira, das mais faladas O conhecimento geográfico é um atributo inerente à natureza da atividade, é como a vara do pescador; portanto, não há o que se questionar. A comunicação acaba se estabelecendo com a interação pessoal, mesmo se o guia não tem formação alguma em língua estrangeira. O supostamente ideal é que o guia tenha formação universitária em turismo, mas há guias tão veteranos, que sua prática consolidou a competência. Por outro lado, há guias com formação universitária que não têm o menor jogo de cintura no exercício de sua atividade.

        Há ainda uma gama de especializações para os guias turísticos. Há guias para
excursões no deserto, há guias para passeios em animais, há guias para passeios de bug, guias para mergulhos e por aí vai. Em todas essas especialidades, o guia deve, sobretudo, proteger, o máximo possível, a integridade física do turista, garantindo que ele contemple os objetivos a que se propõe a excursão. Dentro de todas essas competências até aqui elencadas, há deslizes ou sucessos memoráveis na vida dos guias e na lembrança dos turistas.

       Há poucos dias, em visita a João Pessoa, o evento que fechava a minha excursão era um pôr do sol com fundo musical: Um saxofonista, chegando de barco, executando o Bolero de Ravel, enquanto o sol, magnificamente, se punha em mergulho no mar. O nosso guia, um rapaz falante, prático em tudo ( guia prático e fotógrafo prático), sentiu-se na obrigação de explicar aquele momento e saiu com esta:
- Esse instrumentista, que não é o oficial (O oficial é o Jurandir, que estava de luto) toca diferente do Jurandir, mas é autorizado a tocar pelo próprio Jurandir!

- Como assim, qualquer um pode tocar o Bolero de Ravel! Exclamei.

- Qualquer um não, só o Jurandir e quem ele autorizar, replicou o guia, com sotaque nordestino. E continuou:

- O próprio Maurice Ravel deu ao Jurandir o direito exclusivo de execução da música, antes de morrer; ele até chorou no túmulo de Ravel! Apareceu no Programa do Jô.

- Me desculpe, mas te passaram uma informação errada, argumentei.

- Não, não, tenho até o jornal com essa notícia; guardei até hoje, contra argumentou.

- O problema é que Ravel morreu há muito tempo, não conviveu com o Jurandir!

Tentei explicar ao guia. Como eu não me lembrava da data precisa ( depois confirmei que Ravel morreu em 1937), falei que o Jurandir teria que ter mais de 100 anos. O rapaz ficou inconformado com tudo que eu dizia, mas silenciou-se sobre o assunto daí para frente.

       Uma coisa interessante e comum aos guias de Natal é o ufanismo em relação aos atributos da terra; tudo que apresentam é recorde: "Moço, essa é maior duna do Brasil, a segunda do mundo", "Num sabe, a primeira mulher a votar no Brasil é de Natal", "Natal é a cidade mais verde da América"(Os guias gaúchos disseram o mesmo a respeito de Porto Alegre). Um dos guias, de forma bem humorada, fez de suas explicações ufanistas, um trampolim de autoestima: "Esta praia chama-se Praia do amor, devido a um romance que eu tive com uma atriz global, que filmava aqui",
" A novela Flor do Caribe, filmada aqui, na Praia de Pipa, tinha um personagem chamado Samuel, em homenagem a mim, que os guiei aqui".

     Em geral, as explicações dadas pelos guias são superficiais e os relatos históricos feitos por eles são factuais. Quando se trata de objetos de arte, eles têm, em geral, um texto decorado e contam com a ignorância dos turistas, pedindo a Deus que nada lhes seja questionado. Por exemplo, em toda igreja barroca que visitei em Minas, perguntei ao guia sobre aquelas bruxinhas que aparecem nos entalhes. Até hoje, nenhum deles me explicou isto., alguns nem haviam notado.

      Na verdade, o mercado forja o profissional; se a galinha dos ovos de ouro de uma cidade é o turismo, sua mão de obra faz tudo para se enquadrar no turismo. Como exemplo, Natal tem no turismo a sua principal fonte de renda; 90% de seu produto interno vem do turismo. A mão de obra massiva trabalha direta ou indiretamente com o turismo. Por isso, quem não tem qualificação alguma, com a prática, vira guia turístico em pouco tempo. Há um caminho, uma carreira: Começa-se como vendedor ambulante de quitutes típicos ou suvenires, junta-se dinheiro, abre-se um pequeno negócio ou compra-se uma van. No meio do caminho ou concomitantemente com outra atividade, trabalha-se de guia. Há histórias de guias bem sucedidos que ingressam, com sucesso, na hotelaria.

     Num aspecto todos os guias concordam, é segura  a unanimidade: todos confessam que gostam do que fazem e que se divertem muito com o trabalho. Por isso, trabalham sete dias por semana e, se necessário, mais de 15 horas por dia. Seja aonde for, a interação do guia com o turista é tão notória, que tem evidentes traços afetivos.

 

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